Uma década contra a impunidade e em defesa da vida nos territórios atingidos
Uma década contra a impunidade e em defesa da vida nos territórios atingidos
Fonte: www.mg.caritas.org.br
Desde o rompimento da barragem de rejeitos de Fundão, ocorrido em 5 de novembro de 2015, em Mariana (MG), as comunidades atingidas seguem enfrentando os desdobramentos de um dos maiores desastres socioambientais do país. Naquela época, o empreendimento minerário ao qual a barragem estava vinculado não possuía plano de contingência eficaz, rotas de fuga estruturadas ou sistemas mínimos de alerta às comunidades. A inexistência de mecanismos formais de aviso obrigou moradores a assumirem essa função, de alertar sobre o risco iminente. A interrupção de acessos terrestres, o comprometimento do abastecimento de água e energia e o isolamento de comunidades rurais evidenciaram a ausência de medidas preventivas e de infraestrutura mínima para emergências dessa magnitude.
No cenário de mineração predatória, faltou prevenção antes do rompimento e falta reparação depois. Dez anos se passaram e, ao longo de toda a Bacia do Rio Doce, indígenas, quilombolas, ribeirinhos e famílias rurais ainda esperam justiça, reconhecimento e condições para retomar seus modos de vida. E no mês de novembro, acompanhando uma programação extensa, – organizada pela Comissão de Atingidos e Atingidas pela Barragem de Fundão (CABF), pela Cáritas MG/ATI Mariana, movimentos sociais e instituições parceiras; as pessoas atingidas afirmaram por onde estiveram: “A luta por justiça jamais será motivo de vergonha”.
Em 3 de novembro, a mesa “10 anos do rompimento/crime: Qual o significado do Novo Acordo do Rio Doce?” proposta pelo coletivo FLAMA (Frente Mineira de Luta das Atingidas e dos Atingidos pela Mineração) realizada no Instituto de Ciências Sociais e Aplicadas (ICSA) da UFOP, reuniu moradores, estudantes e coletivos, além do coordenador da Cáritas MG | ATI Mariana, Rodrigo Pires, e a integrante da Comissão de Atingidos e Atingidas por Barragens (CABF), Luzia Queiroz. Na ocasião, participantes criticaram o Novo Acordo de Repactuação pela falta de participação social , pouca transparência e limitações na governança e controle social, além de apontarem a impunidade das empresas e a atuação da Fundação Renova. Como caminho para o futuro, destacaram a importância da memória, da educação e do compromisso para evitar a repetição de desastres.
No dia 4 de novembro, o Grupo de Pesquisa e Extensão sobre Conflitos em Territórios Atingidos (Conterra/UFOP) realizou uma oficina para criar uma exposição/instalação na Escola de Minas intitulada “Mariana 10 anos: como contar o tempo que não volta?”. Estudantes, docentes e assessoras técnicas se reuniram para produzir imagens, relatos, colagens e cartografias que contam sobre a trajetória das pessoas em territórios onde a maquinação opera numa temporalidade atingida.
Na manhã do dia 5 de novembro, pessoas atingidas, movimentos sociais, romeiros e representantes de instituições parceiras estiveram por Bento Rodrigues para marcar uma década desde o rompimento da Barragem de Fundão. O ato, realizado no território ainda reconhecido como espaço de pertencimento da população, trouxe a memória das vítimas e chamou atenção para o processo de reparação. O início do momento solene aconteceu na Capela das Mercês, de onde saiu uma procissão com uma cruz, na sequência hasteada em frente às ruínas da Capela de São Bento. Também durante a ocasião, balões foram soltos no céu em homenagem às pessoas falecidas e mudas foram plantadas como gesto de esperança. Durante o percurso pela comunidade, instalações, painéis fotográficos e outras intervenções transformaram os espaços do desastre em um gesto coletivo e de ocupação resistente.
Já na tarde do mesmo dia, o Ato Toque da Sirene, na Praça Gomes Freire, reuniu na sede de Mariana: moradores das comunidades atingidas, representantes de ATIs e do Instituto Guaicuy, romeiros, estudantes e docentes da UFOP, além de movimentos sociais, sindicais e de pesquisa como MAB, FLAMa, MAM e Adufop. Organizado pelo jornal A Sirene, o evento teve início com o toque da sirene (que não tocou no dia do rompimento de Fundão), seguido da leitura do editorial e de relatos sobre as experiências ao longo do processo de reparação e antes dele, – reforçando a memória coletiva e a luta por direitos.
As atividades do mês de novembro seguiram no dia 6 com uma tradição: mais de 450 mudas foram distribuídas a motoristas que trafegavam pela BR-356. Cada planta carregava o nome de uma vítima fatal do rompimento da barragem de Fundão, em 2015, ou da barragem do Córrego do Feijão, em 2019, além da menção às pessoas falecidas ao longo do processo de reparação. A atividade, com duração de aproximadamente duas horas e meia, foi organizada pela Escola Família Agrícola Paulo Freire (EFA) e contou com voluntários que abordaram veículos em ambos os sentidos da rodovia, explicando o propósito da ação e oferecendo uma muda em homenagem.
No dia seguinte, em 8 de novembro, as atividades tiveram continuidade com uma ação organizada pela FLAMa-MG e pela Associação de Amigos e Moradores de Botafogo. A atividade, conduzida por Benito, presidente da associação local, contou com a presença da Cáritas MG | ATI Mariana, estudantes da UFOP, representantes de ATIs e integrantes de coletivos socioambientais. A conversa abordou temas como a política ambiental do governo estadual, a Operação Rejeito da Polícia Federal e os riscos socioambientais que atingem a região, sobretudo o Botafogo, especialmente a possível contaminação do Córrego do Funil, responsável por abastecer diferentes territórios até desaguar no Rio das Velhas. O encontro também retomou a memória do rompimento da barragem de Fundão e seus danos humanos, materiais e simbólicos. Os participantes refletiram sobre as falhas nos reassentamentos, as perdas ainda não reparadas e a indignação persistente diante da perda de 20 vidas em razão do desastre.